A música durante a Reforma e Contra-Reforma e a influência de Palestrina

    O renascimento surgiu como um movimento que, como o próprio nome indica, sugere um renascer e um reviver da cultura greco-latina. Houve um recuperar do gosto pela arte e das grandes obras clássicas que, durante a Idade Média, estavam subordinadas ao primado da religião. O homem do renascimento  considera a forma humana " a medida de todas as coisas", substituindo, a pouco e pouco, o espírito Teocêntrico da Idade Média por ideais Antropocêntricos. É também humanista no sentido em que reevendica o seu direito à liberdade e a uma condição auto-suficiente. Em parte, este revivar dos costumes e pensamentos clássicos, deve-se à queda de Constantinopla (1453) para os turcos otomanos, que resultou no refúgio de muitos sábios gregos em Itália, onde, cosequentemente, foi partilhada a cultura grega.
    Este espírito mais racional e consciente do seu potencial, motivou  o homem a bastantes progressos ciêntificos, novas ideias e filosofias, novas descobertas pelo mundo, desenvolvimento estes que vieram questionar alguns dos velhos dogmas da Igreja, enfraquecendo-a.
   
     Com todos estes golpes que questionavam a "verosimilidade" da Igreja, e o espírito optimista, racional e renovador que contagiava a humanidade, criou-se a necessidade de uma reforma.  E assim, no dia 31 de Outubro de 1517, Martinho de Lutero afixou,  na porta da sua igreja em Wittenberg, as suas noventa e cinco teses que acusavam a Igreja de corrupção.
   O próprio Lutero inventou melodias propositadamente simples, moldadas polifonicamente principalmente por Johann Walther, e fazia questão que a sua escrita fosse menos complexa que a de Dufay para que fossem cantadas e aprendidas pelo povo. Pretendia ainda, de acordo com as suas ideias quanto aos direitos individuais, que o povo tivesse acesso ao saber e à prática da harmonia, até à altura dominados apenas por uma classe elitista, protegida a resguardo da Igreja. Para essa simplificação, Lutero focou-se em três regras-base: o uso da língua comum, de melodias simples e de textos das escrituras. 
   A princípio, a prioridade era dada à palavra e não à música. Pouco a pouco, com a sua forte propagação, a música vai-se tornando mais elaborada, o coral luterano vai evoluindo com novas melodias sem nunca deixar de se preocupar com a inteligibilidade do texto e a sua mensagem.
     A propagação desta nova música coral deve muito ao surgimento da imprensa musical, através do técnico Ottorino Petrucci, que em Veneza, no ano de 1501, teria inventado um sistema de imprensa muito semelhante ao de Gutenberg, com todo o tipo de notas móveis. Estabelecia-se agora o contacto entre os compositores de todos os países. Torna-se então possível aprender, comparar, criticar.
  
  Este ambiente de reforma manteve-se bastante em Inglaterra enquanto nos restantes países da Europa a resposta da  Igreja surgiu imediata com a Contra-Reforma. Assim, em 1545 a Igreja fez a convocatória para uma das suas maiores reuniões na História, à qual se deu o nome de Concílio de Trento. Este procurava combater a expansão da Igreja Protestante e, como outro propósito, a auto-reforma da própria Igreja, há muito esperada.
   No que toca à música sacra, o Concílio queixava-se principalmente do espírito frequentemente "popular e impuro" presente nas missas baseadas em cantus firmus e textos  profanos. Achava ainda que a complexa polifonia, que se foi vindo novamente a desenvolver depois da reforma, impossibilitava a compreensão do texto e da sua sagrada mensagem que, ainda para mais, já nem estava a ser transmitida na sua original e pura língua, o latim. Houve então uma forte censura (em todas as áreas) que impedia a criação e divulgação de tudo o que se pudesse considerar "impuro ou lascivo".

     "Todas as coisas, deverão, na verdade, ser ordenadas por forma a que as missas (...) cheguem tranquilamente aos ouvidos e aos corações dos que as escutam, quando tudo é executado com a clareza e ritmo certo. (...), deverá também banir-se da Igreja qualquer música que contenha, quer no canto, quer no orgão, coisas que sejam lascivas ou impuras, (...)."
[A. Theiner, Acta (...) Concili tridentini (...), 2, 1874]


   Portanto, a Igreja ambicionava reduzir a abundância e sumptuosidade da arte do contraponto e impedir a simultaneadade de textos diferentes na escrita musical. A simplificação da polifonia tornou dispensável o acompanhamento instrumental  para o apoio do coro. Mesmo o órgão era inutilizado ou serviria apenas para criar uma certa atmosfera com alguns acordes iniciais.
   Para reformular a  música renascentista, o Concílio chamou o compositor Giovanni da Palestrina, cujo estilo belo e conservador admirava. Alguns membros mais radicais do Concílio achavam mesmo necessário a abolição total da polifonia. Conta-se então, que Palestrina compôs uma missa a 6 vozes (a conhecida missa ao Papa Marcelo)  para provar que a mensagem e o texto totalmente perceptível, não eram de todo detorpados pela acumulação de várias vozes, salvando assim a polifonia. No entanto, a história da relação desta missa com o Concílio de Trento foi contestada. 

 [Missa ao Papa Marcelo, Gloria:

     Giovanni da Palestrina (Giovanni Perluigi) nasceu numa aldeia perto de Roma, de nome Palestrina, em 1524 (data não confirmada com exactidão). Teve o seu primeiro contacto com a música na qualidade de menino de coro na sua terra natal, onde, mais tarde, foi nomeado organista e mestre. Em 1551 tornou-se mestre da Cappela Giulia de S. Pedro de Roma. Sabe-se que Palestrina  viveu e trabalhou às ordens de 10 papas e muitas vezes um deles inutilizava o que o antecedor havia protegido e fomentado. O Papa Júlio III, a quem Palestrina ofereceu o seu primeiro livro de missas, convidou-o a entrar, como cantor, na capela Sistina (capela oficial do Papa), com grande irritação dos cantores, indignados com a entrada de um novo favorito do Papa, dispensado dos exames prescritos por lei. Com intrigas e conspirações, os ditos cantores, conseguiram  que o novo Papa Paulo IV excluisse Palestrina, juntamente com mais dois cantores, por não se identificarem com algumas condições eclesiásticas, no caso de Palestrina, o requisito do Celibato.
   Ocupou depois o posto de mestre de capela em S. João de Latrão e, 6 anos mais tarde, transferiu-se para um cargo semelhante em Sta. Maria Maior. Por mais 5 anos leccionou no seminário Jesuíta de Roma até ser chamado novamente a S.Pedro onde permaneceu como mestre da Cappela Giulia até a sua morte, em 1594.
       Palestrina é um compositor de cânticos. As suas composições dispensam a parte instrumental abraçando os grandes coros. A voz humana era, para Palestrina, o mais belo e perfeito dos instrumentos.

    O Estilo Palestrina foi o primeiro estilo musical a ser conscientemente preservado, isolado e tomado como  modelo em épocas posteriores na história da música ocidental. Palestrina ficou conhecido pela forma exímia como tratou o texto nas suas composições. Deixou, para as gerações futuras, uma maior preocupação vertical da peça, isto é, harmonicamente.  Foi, principalmente, Palestrina que começou, aos poucos, a definir um ambiente tonal com as suas cadências  no final de cada frase ou peça.  Irá abrir novas portas para o séc. XVII com a entrada para o estilo Barroco.
      
    Durante a sua vida, Palestrina foi muito admirado e acolhido pelos músicos e cantores que o acompanhavam e admiravam, homenageando-o estando quase todos presentes no seu enterro com grande mágoa e simpatia. Os cantores do Papa entoaram o "Libera me" secundados por todos os coristas das grandes igrejas romanas. O seu cadáver foi depositado diante do altar de Simão e Pedro na Igreja de S. Pedro. Doze anos depois da sua morte, o seu túmulo foi destruído em trabalhos de reconstrução. Todavia, o corpo nada importa face à sua obra que ainda hoje é escutada, como o "Improperien" ouvido em todo os aniversários da Morte de Cristo.



Mariana Nunes

  

BIBLIOGRAFIA:


GROUT, Donald Jay. A History of Western Music

MANN, William. A música no tempo, GRADIVA

MENUHIN, Yehudi e DAVID, Curtis W. : A música do Homem, MARTINS FONTES

PANOFSKY, Walter: Também tu entendes a música, FERNANDO MACHADO

BORGES, Maria José e CARDOSO, José Maria : História da Música, SEBENTA

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